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A nova geração de guardiãs da beleza natural

Quando não estão cobertos por faixas ou turbantes coloridos, os cabelos levemente ondulados da artesã Maria Eduarda Senna Pierri, 22 anos, de Araraquara, interior paulista, costumam receber elogios: “É meu ativador de cachos”, dispara orgulhosa. Feito a partir de uma mistura de chá (de cravo ou canela), bicarbonato de sódio e ágar-ágar (uma gelatina natural), a fórmula nasce em casa, na cozinha. É lá que ela produz manualmente seus próprios xampus, sabonetes, hidratantes, entre outros itens de cuidados pessoais. Aveia, mel, sementes, ervas secas e frescas, além de óleos 100% vegetais protagonizam o time que lhe garante independência das perfumarias.

Passados de geração em geração, fórmulas e rituais caseiros de beleza estão na mira de mulheres jovens e antenadas

Por Marcela Rodrigues*/a Naturalíssima + Revista Bons Fluídos***


(Foto: Maria Eduarda/acervo pessoal)

Maria Eduarda adora ser chamada de bruxinha (Foto: acervo pessoal)


Maria iniciou a jornada de beleza sustentável há cerca de quatro anos, após uma viagem pelo interior de Goiás, onde resgatou hábitos antigos, como tomar banho no rio e passar dias sem xampus e sabonetes tradicionais. “O contato com a natureza foi um despertar. Deixar tanta química escorrer pelo ralo da pia passou a não fazer mais sentido”, explica ela, cujas receitas foram coletadas de livros, blogs e relatos de avós e mães de amigas. “Pesquisei bastante para, inclusive, atualizar as receitas dessas matriarcas que, tempos atrás, só possuíam essa alternativa de cuidado. E funcionava”, diz.

Natureba sem clichê

A 270 quilômetros de Maria Eduarda, no caos da capital paulista, a estilista Fernanda Cannalonga, 26 anos, também brinca de alquimista. No ano passado, após um lanche da tarde, ela teve a ideia que originou seu atual – e favorito – esfoliante corporal. “Vi a sobra das sementes do suco de maracujá que acabara de fazer e resolvi reaproveitar. Deixei as sementes secar e misturei com o óleo de coco para criar cremosidade. O aroma ficou incrível”, conta.


(Fernanda Cannalonga/Acervo pessoal)

A paulistana Fernanda Cannalonga  (Foto: acervo pessoal)


Fernanda começou o processo de transição para o nécessaire mais “verde” trocando marcas tradicionais por alternativas naturais ainda na adolescência, quando se tornou vegana. “Comecei a me preocupar se o que eu colocava na minha pele tinha origem animal ou não.” Dona de um visual cosmopolita, ela foge do clichê de quem costumava levar uma vida natureba antigamente e surpreende seus amigos do universo da moda. “Não preciso ir para o meio do mato para ser saudável. O desafio é fazer isso aqui”, provoca.

De geração em geração


A naturóloga paulistana Giovanna Carnetti (Foto: acervo pessoal)

A paulistana Giovanna Carnetti aprendeu as primeiras receitas naturais com a avó (Foto: acervo pessoal)


Babosa para nutrir os cabelos, chá de camomila para dar brilho, mel para revigorar a pele. A paulistana Giovanna Carnetti, 23 anos, teve o privilégio de aprender os mais clássicos dos rituais caseiros de beleza com sua avó materna, íntima dos emplastos e banhos naturais. Inspirada, investiu na faculdade de naturologia e passou a se aventurar em receitas elaboradas. “Logo que comecei a aprender mais sobre as ferramentas que a natureza proporciona para nossos cuidados pessoais, minha memória e inspiração me levavam aos ensinamentos de minha avó. Ela faleceu no meio desse processo, mas tivemos tempo de compartilhar muitas informações”, recorda ela.

Seu produto preferido é a água florida. “As flores ficam imersas e vedadas em um vidro com álcool de cereais por sete dias. No último dia, a água já está com a coloração, o aroma e a informação vibracional da flor escolhida. Adoro a combinação de rosas vermelhas com óleos essenciais de gerânio e ylang ylang”, revela. Se antes as pessoas achavam seu cheiro “diferente” e reagiam curiosas, hoje Giovanna faz litros e divide em frascos para presentear os amigos.

“Sou muito cuidadosa com a minha saúde e me sinto mais segura usando a minha receita”, afirma ela, que também recorre ao óleo de coco – atual ingrediente queridinho das beauty lovers naturebas – para cuidar dos cabelos. Seu último experimento com o ingrediente foi para controlar a oleosidade. “Eu me baseei no olhar da medicina aiurvédica”, explica ela, grávida de sete meses.

Novos hábitos

Desde que os primeiros cosméticos foram feitos, muita coisa mudou no fantástico mundo da beleza. Além do próprio padrão estético, a tecnologia criou fórmulas quase milagrosas, procedimentos com resultados instantâneos e desviou os holofotes das receitas milenares.

Agora, de carona na fama dos movimentos que pregam a sustentabilidade e o empoderamento feminino, tais rituais voltam à cena. Como é o caso da designer Cristal Muniz, 24 anos, que há um ano se autoimpôs o desafio de ficar um ano sem lixo. Conforme encontrava alternativas para reduzir os insumos no dia a dia, a bancada do banheiro foi ficando minimalista.


A curitibana Cristal Muniz (Foto: acervo pessoal)

A designer Cristal Muniz (Foto: acervo pessoal)


Entre as descobertas, encontrou seu hidratante ideal, feito à base de manteiga de karité e óleos vegetais e essenciais, que, batidos, formam uma espécie de chantilly. Para equilibrar a oleosidade facial, Cristal aplica chá de camomila ou verde, que possuem propriedades anti-inflamatórias. Já o desodorante feito com óleo de coco e pitadas de bicarbonato de sódio, ingrediente que ajuda a combater as bactérias e o odor da área, não gera resíduo porque é armazenado em um pote de vidro. “Não imaginava que conseguiria fazer tanta coisa em casa. Se tornou algo simples na minha rotina”, diz.

“Estamos resgatando hábitos e saberes dos povos tradicionais, como o uso das ervas medicinais. E, cada vez mais, com a internet, as pessoas estão tendo acesso à informação e descobrindo como fazer isso da maneira certa. Além de compreender os malefícios que alguns ingredientes químicos causam à saúde e à natureza”, observa Marcela Zaroni, terapeuta aiurvédica, pesquisadora do sagrado feminino e articuladora do projeto Matricaria, que valoriza a cultura da ecologia feminina.


(Bons Fluidos/março 2016))

(Bons Fluidos/março 2016))


Não à toa o termo “slow beauty” tem se espalhado. O movimento que surgiu nos Estados Unidos inspira menos produtos no nécessaire, aceitação da beleza real e valorização dos insumos orgânicos.

“É importante entender que ninguém precisa de três tipos de xampu e quatro de condicionador no boxe do banheiro. Na maioria das vezes, eles estão quase todos expirando, pois foram aos poucos sendo esquecidos ali”, comenta a empresária Isadora Caporali, que percebeu a tendência e trouxe a primeira assinatura de cosméticos naturais do Brasil (a Sublime Rituais).

Você é como se cuida

A carioca Carol Cronemberger, 38 anos, cresceu vendo as mulheres de sua família exercendo o dom para os trabalhos manuais – seja com as agulhas ou com as panelas – e ouvindo sua avó contar que, quando jovem, fazia até os próprios perfumes. “Como nunca fui vaidosa em excesso, deixar de usar produtos químicos nunca foi um problema”, conta. Mas, quando engravidou de Marina, hoje com 14 anos, ela se viu obrigada a procurar alternativas para os cuidados com o bebê. “Passei a fazer óleo de limpeza usando azeite de oliva, óleo de semente de uva e óleos essenciais de lavanda, camomila e calêndula”, revela.


A "chef cosmetique, a carioca Carol (Foto: acervo pessoal)

De física à “chef cosmetique: a carioca Carol Cronemberger (Foto: acervo pessoal)


Logo depois, por causa de um pós-doutorado, Carol, formada em física, passou algumas temporadas pela Europa e encontrou um parque de diversões alquímicas. “Por lá, o conceito de beleza natural é mais disseminado, há muitas opções de marcas sustentáveis”, conta ela, que aproveitou a estadia para fazer cursos e, de volta ao Brasil, há dois anos, passou a produzir os itens de cuidados pessoais da família toda. E a coordenar oficinas de fórmulas artesanais cada vez mais requisitadas. “Nos meus workshops recebo mulheres de todos os perfis e idades. Isso mostra que não é um modismo, mas um novo comportamento de consumo”, analisa.


(Bons Fluidos/março 2016)

(Bons Fluidos/março 2016)


Mas funciona?

Sustentabilidade, saúde, autoconhecimento e resgate dos saberes antigos. Motivos não faltam para transformar a cozinha de casa em uma espécie de elatina e outros elementos achados facilmente na cozinha e que, segundo ela, têm o poder de equilibrar o pH e aumentar a resistência da pele a males externos da vida moderna, como a poluição.

Para Juliana Neiva, dermatologista e dona de um dos consultórios mais equipados do Rio de Janeiro, um tratamento não anula o outro, tanto que em seu último livro, Guia Prático da Beleza (ed. Fontanar), lançado no ano passado, receitinhas clássicas, como o esfoliante labial feito à base de açúcar e mel e a máscara facial pró-elasticidade com clara de ovo e iogurte natural, surgem como coadjuvantes e aliadas das dicas mais avançadas.

“Acredito nos rituais holísticos, que unem beleza, alimentação e bem-estar. Eles relaxam e são acessíveis a qualquer pessoa”, defende.

Juliana alerta, no entanto, que nem tudo que é natural é isento de efeito colateral. “Muitos alimentos e até ervas possuem potencial alergênico e podem causar irritações ao serem aplicados na pele. Da mesma forma que provocariam reações se fossem ingeridos. Afinal, a pele absorve tudo o que nela é colocado”, alerta, ressaltando que é justamente pela presença de princípios ativos que o cosmético age.

O único cuidado é experimentar aos poucos, evitando o que em algum momento já provocou alergia ao ser ingerido. Vale explicar ainda que uma fórmula 100% natural tem efeito a longo prazo. A não ser que seja algo momentâneo e de ação mecânica, caso do esfoliante de açúcar com aveia.

Se depender das novas guardiãs da beleza natural, esse tempo não é problema. “Cada vez mais surgem mulheres que assumem seus cabelos cacheados, as marcas do tempo, suas formas.

Tudo isso gera estranhamento e distanciamento das diversas químicas e práticas cirúrgicas insistentemente disseminadas. É uma verdadeira revolução, da qual todas nós iremos nos beneficiar”, conclui a pesquisadora Marcela Zaroni.


Marcela Rodrigues

***Nota da autora: acredito que um dos meus propósitos esteja relacionado ao jornalismo e à comunicação mesmo. Mas também no empoderamento com a beleza natural. Unir os dois é uma satisfação plena. Amo contar histórias, sobretudo de quem faz muito por todas nós. Nesta reportagem, realizada para a revista Bons Fluidos, destaco depoimentos de mulheres que conheci ao longo da minha jornada pessoal. Mulheres que vivem e inspiram uma nova forma de consumir beleza – e de gerar auto-estima. Cada uma a sua maneira: no interior, ou na cidade grande. Cosmopolita ou com um jeitinho hippie. As especialistas – médicas e pesquisadoras – endossam e explicam como toda essa movimentação que vem ocorrendo significa. E sem julgamento. Espero que esta reportagem, fruto de um trabalho cheio de propósito, inspire seu despertar. Seja com uma receitinha caseira entre amigas ou aceitando-se como é. Compartilhe! Seguimos juntas!

Reprodução de qualquer trecho do texto legal apenas diante da autorização da autora e da revista.

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