A atuação da mulher preta no setor de beleza limpa é tão pouco discutida quanto na convencional. Ainda que sejam marcas mais sensíveis a causas sociais, a maioria limita-se a posts em datas relevantes ao movimento, modelos negras nas campanhas. Mas a discussão mais relevante – sobre invisibilidade – sempre fica mais à deriva. Por aqui, peço licença para esta entrevista para dar voz à Mona Soares, farmacêutica baiana, especialista em cosmética natural, professora e fundadora da EWE Alquimias.
Auto-estima é algo que tem que vir primeiro para a mulher negra, antes de qualquer cosmético, já que uma das estratégias do racismo é destruir a nossa, nos colocando na posição de “feias” e “inferiores” – Mona Soares.
Sua relação com os cosméticos naturais, seja na alquimia, seja no conteúdo pelo seu perfil no instagram, vem desde que a beleza natural ainda era um nicho pouco explorado no Brasil. Eu tinha poucos anos de aN quando recebi dela, direto da Bahia, um sabão de ébano. Preto, grande, aromático com um cheiro fora do comum. Não à toa virou pauta recorrente.
Além de sempre levantar nuances do tema em um território ainda pautado pela invisibilidade, hoje, para além da cosmética natural, usa suas escolhas para gerar reflexões sobre auto-estima. Entre perguntas e respostas já tendo sido refletidas em encontros pessoais, a entrevista abaixo foi conduzida por e-mail:
Marcela Rodrigues – O racismo no universo da moda e beleza é uma discussão antiga, porém cada vez mais aquecida. Como fundadora de marca de cosméticos naturais e influenciadora, você se sente representada nos produtos, campanhas e fórmulas das marcas conscientes?
Mona Soares – No quesito pele, sim, há diversos produtos para meu tom, que é considerado pelas marcas como “tom médio”. Mas como tem um público que me acompanha de mulheres negras de pele mais escura sempre toco nessa questão com as marcas. Mulheres negras consomem e precisamos ter opção de produtos saudáveis para usar como itens de maquiagem.
Outro ponto importante é a ausência de diálogo com as marcas. Por mais que eu tenha engajamento com o público que me acompanha, é muito raro as marcas que respondem meus e-mails e mensagens de parceria. E quando respondem, raramente há diálogo sobre parceria paga. O diálogo se limita na maioria dos casos ao envio de mimos e presentes. Já aconteceu mais de uma vez de eu receber um “mimo” de uma marca e dias depois eu ver uma produtora de conteúdo branca com influência similar à minha sinalizar parceria paga com essa mesma marca. Isso é muito desanimador. Parceria entre marcas e produtoras de conteúdo negras sem envolver troca financeira não leva à verdadeira inclusão nas campanhas.
MR -Não há relatórios específicos, mas há uma percepção geral de que mulheres pretas ficam mais expostas a formulações com químicas nocivas por conta da cultura do cabelo alisado. Ainda há resistência da mulher negra a aderir a uma rotina natural por insegurança e apego a um padrão de beleza imposto pela sociedade?
MS – Não tenho dados numéricos, mas os produtos para alisamento são os que possuem ingredientes mais tóxicos dentro dos cosméticos, junto com as tinturas. E não vejo a não adesão da mulher negra a uma rotina mais natural como resistência, mas como ausência de pessoas que se comuniquem com esse público. Durante o processo de aceitação do cabelo crespo/cacheado que estamos vivendo atualmente muitas marcas começaram a desenvolver produtos convencionais para essas mulheres, mas que não tem foco em uma fórmula mais limpa. Retiram-se os petrolatos, sulfatos e parabenos, mas outros ingredientes tóxicos continuam. Acredito que esse padrão vêm sendo quebrado, mas ainda existem poucas mulheres produzindo esse tipo de conteúdo.
MR- Levando em conta as particulares da pele negra, quais são os produtos naturais mais amigos?
MS – A pele negra tem uma expressão maior de melanina, que é uma das diferenças em relação à branca. Algumas apresentam característica de ter mais ressecamento, que chamamos, entre nós, de “foveira”. O caminho para todas é autoconhecimento, experimentar cosméticos naturais e observar como eles se comportam na gente. Eu percebo que existe uma cultura das nossas antepassadas, das pessoas que convivo de uso do óleo tanto na pele quanto no cabelo. A pele ressecada se beneficia muito de óleos e manteigas vegetais, que evitam a perda de água e isso a mantém hidratada. Mas cada pessoa vai se dar bem com um determinado óleo ou manteiga. Tem que testar.
MR – O filtro solar é outra questão para vocês, né.
MS – A gente vive uma cultura do filtro solar. Ele tem muitas substâncias tóxicas e a pele negra não precisa de um fator de proteção tão grande, principalmente a pele retinta. E inclusive ela tem maior dificuldade em absorver a vitamina D. Mas claro, todo tipo de pele precisa de proteção. E a pele negra mancha com facilidade, então o protetor solar é necessário. Mas as opções de protetor solar seguro para pele negra, que não deixa ela com tom acinzentado ainda não conheço. Precisamos recorrer a adaptações, utilizando produtos com cor por cima.
MR – Quais mulheres te inspiram quando o tema é autocuidado e beleza? (aqui faço essa pergunta pois vc já me falou de algumas mulheres negras, mas não achei no insta pois nem lembrei do nome) MS – Gabi de Pretas, Nataly Neri, Sueide Kintê, Salamanda, Mia Lopes, Lorena Ifé, Jojo Todynho, Sobonfu Somé, Bell Hooks, Rose Hapuque, Tia Má, Queen Afua. Incluí inspirações não só no sentido de cuidado com a beleza ou a saúde, mas mulheres que me inspiram no sentido de cuidar das emoções. Auto-estima é algo que tem que vir primeiro para a mulher negra, antes de qualquer cosmético, já que uma das estratégias do racismo é destruir a nossa, nos colocando na posição de “feias” e “inferiores”. Seja por conta de nossos traços físicos, ou por conta do nosso comportamento e até mesmo do não reconhecimento de nossas conquistas.
MR – Aliás, você sente que o elogio à beleza da mulher negra ainda é muito associado a algo exótico, sexualizado?
MS – Como eu faço parte desse nicho da cosmética natural, a maioria das referências são pessoas brancas. Se por um lado me senti acolhida, por outro senti desconforto. Senti um olhar exotizado, muitos, um exagero em falar dos traços, cabelo, roupas e isso me causa incômodo. Alguns elogios soam até mesmo como um favor: “eu te elogio pra mostrar que não sou racista e porque você não deve ser muito elogiada, então eu tenho pena de você, por isso digo que você é linda”. Isso não desconstrói o padrão da beleza na cabeça dela e nem a torna menos racista.
Mona Soares: pole dance e argila (foto: reprodução)
MR – Faz algum tempo que você começou a compartilhar sua rotina\relação com o poledance. Como começou e o que significa hoje pra você? Pergunto, pois observo que você vem associando prática ao despertar da auto-estima, de ferramenta de quebra de paradigmas sobre o corpo da mulher…
MS – Comecei o pole dance em setembro de 2019 e mudou tudo pra mim. Eu estava em busca de uma atividade física que eu gostasse de fazer. Mas o pole dance vai muito além disso. Melhorou a relação com meu corpo e até a minha sensibilidade corporal se alterou. O pole dance me dá coragem, flexibilidade, força, concentração e alegria de viver. Fiz quarenta anos e existe um estigma que a mulher mais velha não é sensual como as jovens. Até a minha sensualidade de mulher madura o pole dance tem me ajudado a construir.
MR – Aliás, desde então você tem mostrado mais seu corpo livre também, né. E, ao mesmo tempo, relatado que cada vez que posta alguma foto mais “ousada” aos olhos dos padrões comportamentais, perde seguidores. Pode falar um pouco sobre isso?
MS – Eu construí boa parte do meu público com conteúdo sobre cosméticos naturais. Com o passar do tempo perdeu o sentido falar de cosméticos sem levantar algumas críticas sobre padrões de beleza. Ao passo que ia rompendo em mim os padrões de beleza, eu sentia a necessidade de compartilhar. Uma parte do meu público se identificou bastante, mas outra parte não. E está tudo bem. Acho que algumas pessoas ainda se chocam com o corpo de uma mulher feliz exercitando a liberdade de ser quem é. Essa é a parte mais dolorosa dessa “perda de seguidores”, mas por outro lado eu acredito que se algum conteúdo te fere ou incomoda você tem mais é que deixar de acompanhar mesmo.
MR – Mesmo sendo farmacêutica com um currículo ótimo aos olhos da sociedade normalizada, você evita os rótulos acadêmicos, os palavreados refinados e reconhece que alguns conhecimentos nem sempre precisam de certificação. É um pensamento bem aberto. Isso já te atrapalhou em algum momento, pelo fato de que a sociedade ainda se baseia em rótulos\diplomas e status?
MS – As minhas formações acadêmicas me deram uma bagagem enorme para o meu trabalho com a cosmética natural, porém quando eu passei a oferecer este conteúdo em meus cursos e nas redes sociais eu queria que ele fosse acessível, principalmente para as pessoas que não tem formação em farmácia ou áreas afins. Posso afirmar com convicção que qualquer pessoa empenhada e com afinidade com o tema pode produzir boa parte dos cosméticos que usamos no dia a dia. Uma parte do meu conhecimento foi construído de maneira auto-didata, experimentando, observando… gosto de incentivar isso nas pessoas também.
ROTINA E CUIDADOS \\ COM MONA SOARES
Mona Soares: pele e dreadlocks
Dreadlocks Atualmente tenho dreadlocks. Lavo o cabelo duas vezes na semana com xampu feito por mim, preparado com ingredientes específicos para minhas necessidades. A cada quinze dias uso condicionador natural. Como eu faço a maior parte dos produtos que uso, altero as formulações de vez em quando pro cabelo não acostumar. Deixei de tingir os cabelos brancos há um ano. A cada dos meses faço manutenção dos dreadlocks com especialista. Ela também avalia meu cabelo e me ajuda a alterar alguma etapa da minha rotina.
Ingredientes Babosa, manteigas vegetais, vinagre de maçã, mel e argila eu uso ocasionalmente, seguindo a intuição e me observando. Quando percebo que meu cabelo ou couro cabeludo necessitam.
Skincare rosto: pele oleosa e madura Lavo com sabonete natural que mesma produzo e de outras marcas naturais e serum feito com jojoba, óleos essenciais e resinas, mas sempre altero, a depender da necessidade da pele no momento. A pele é um órgão, né? Então ela muda muito de acordo com a alimentação, e estresse por exemplo. Minha pele é oleosa e madura. Uma das coisas que mais gosto de fazer é máscara de argila. Faço duas vezes por semana. Uma vez por semana faço esfoliação com cristais de quartzo. E uso muitas coisas naturais como chá, babosa, maquiagem natural e faço limpeza de pele com esteticista que usa produtos naturais a cada dois meses.
Skincare corpo: básico O cuidado com a pele do corpo é bem minimalista: faço esfoliação semanal com luffa (bucha vegetal), uso sabonete natural e aplico óleos e manteigas vegetais e hidratantes naturais na maioria das vezes feitos por mim. Gosto de fazer massagem com óleo pra aliviar a tensão.
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