Dona de um estilo atemporal e cheio de referências artesanais, a estilista Flavia Aranha acaba de abrir seu ateliê para ensinar a técnica na qual é pioneira: o tingimento natural. Foi lá que ela nos recebeu, falou sobre sua transição da moda convencional para um sistema justo de produção e da alquimia que faz com cascas de frutas, verduras e outros pigmentos vegetais
A estilista Flavia Aranha, 31 anos, passou a infância entre quintais do interior, fins de semana na fazenda e aulas de arte. Cresceu avessa a shoppings, consumo excessivo e, não à toa, não se adaptou quando foi trabalhar na indústria convencional de moda – uma das mais poluentes do mundo – na qual trabalhou por longos cinco anos após se formar.
Neste período Flavia passou por vários setores de uma grife badalada, porém distantes de seus valores. Quando chegou a um cargo que a permitia viajar para acompanhar compras e pesquisas internacionais, ela se viu diante do real e injusto universo de trabalho têxtil da Índia e da China. “Devo muito do que sei como empresária de moda e estilista à minha passagem por esta marca e pela indústria convencional. Reconheço o que aprendo. Mas não conseguia conviver com algumas coisas. Era surreal e não tinha sintonia com o que eu acreditava. Pensei em desistir”, conta ela.
Jornada pessoal
Quando criou a marca homônima, há cerca de seis anos, Flávia se sentiu sozinha. “Ouvi de muitos amigos que o ramo não dava dinheiro e que, por isso, eu logo voltaria para a indústria convencional. Mas eu nunca fiz meu trabalho só pensando em lucrar e por modismo. Meu estilo de vida sempre foi mais slow e até no TCC eu projetei e criei uma coleção toda feita à mão. Desde criança sou apaixonada pelo trabalho manual”, lembra.
Ateliê Flávia Aranha, na Vila Madalena
Essência x modismos
Se antes ela sentia sozinha, agora, com a alta do conceito slow fashion, Flavia não tem medo da concorrência e se sente fortalecida. “Acho ótimo, pois mostra uma mudança de comportamento por parte das pessoas e que as empresas estão de olho. Mas há, sim, um certo modismo, e acho que tem muito marketing por aí”, afirma.
Flávia orgulha-se de sua cliente que, segundo ela, tem um estilo de vida genuinamente desacelerado e em sintonia com seu DNA há muito tempo.
“Sempre tive uma clientela muito consistente. É uma mulher antenada, que consome arte de certa forma e se preocupa com a história por trás do que está comprando. Ela é consciente e, ao vestir uma peça Flavia Aranha, a cliente se sente representada.”
Formação nômade
Flávia estudou moda na Saint Martins, em Paris, mas formou-se estilista por uma universidade paulistana. O conhecimento com tingimento natural, sua marca registrada e técnica na qual é pioneira, porém, é fruto de uma profunda pesquisa pessoal pelo mundo e que nunca para.
Quando pediu demissão da marca convencional para a qual trabalhava, Flavia tirou um sabático e da Índia ao Canadá estudar com os maiores especialistas do mundo inteiro.
(Foto: reprodução/Loja Flávia Aranha)
Alquimia das cores
É no ateliê, nos fundos da loja, localizada em uma casinha charmosa na Vila Madalena, em São Paulo, que as peças são costuradas cruas e, depois, passam pela alquimia: a acácia negra rende um elegante rosa – que, dependendo da combinação, pode variar na tonalidade. Juntos, casca de cebola e repolho, ambos na versão roxa, parecem ingredientes de uma bela sopa. Mas, surpreendentemente, resultam em um verde (meio militar, porém mais suave) dos mais chiques.
Na arara, um azul se destaca e é difícil imaginar sua origem. É do índigo, o único pigmento vegetal que proporciona essa cor. É raro. “É um extrato que vem da anileira e, na África, significa fertilidade”, diz Flávia.
A casca é de cebola roxa, mas o resultado é verde (Foto: aNaturalíssima)
Sustentabilidade cíclica
Na arara de Flavia, nada de malha de garrafa pet. Não que a estilista seja contra, o material apenas nunca fez parte de seu conceito.
“Desde o começo sempre pensei a marca com uma estética fashion. E sustentabilidade não depende de usar materiais reciclados. Penso no meio ambiente em cada passo da concepção da peça. Da escolha do algodão ao sistema de trabalho da minha equipe.”
De Pirenópolis, interior de Goiás, vem o algodão orgânico fiado à mão. Do Sul, lã e seda. Atualmente, Flavia ainda tem feito parcerias com restaurantes locais para aproveitar o resto de insumos usados nas refeições, como as cascas de legumes.
E como não adianta um item ser “verde”, mas promover o consumo exacerbado, ela não segue o calendário oficial da moda.
O azul da camisa vem do índigo, um extrato vegetal da aneleira
“Como as peças são de muita qualidade e a modelagem é bem atemporal, nada fica ultrapassado”, diz ela, que já exportou para Alemanha, Áustria e Suíça.
O orgulho de Flavia no momento é poder compartilhar seu conhecimento. Desde maio ela tem aberto seu ateliê para oficinas e workshop de tingimento natural e outras técnicas artesanais.
Flávia Aranha: pioneira em tingimento natural no Brasil (Foto: Daniel Malva)
Commentaires